No rescaldo da pandemia: uma educação emancipatória

O presente estudo procura corresponder à solicitação da Assembleia da República, a quem agradecemos a confiança depositada no Conselho Nacional de Educação (CNE).

Parece-nos que este é, de facto, um momento ímpar para procedermos, em conjunto, a alterações do sistema educativo português que respondam aos objetivos já consignados, com esta ou outra terminologia, em vários documentos de política educativa: uma educação para todos, ao longo de toda a vida, abrangendo várias dimensões do ser humano e virada para o futuro.

A pandemia veio dar visibilidade e agravar as desigualdades educativas existentes − com possíveis consequências a mais longo prazo nas desigualdades sociais e económicas − levando a uma possível interrupção, ou mesmo retrocesso, no caminho que se tem vindo a fazer para o cumprimento do direito de todos à Educação.

Para além das perdas de vidas e sofrimentos vários que acarretou, a pandemia provocou também um aumento das perturbações socioemocionais, a perda de aprendizagens e, designadamente, pela impossibilidade de socialização, uma forte limitação do desenvolvimento de capacidades sociais.

A tudo isto o sistema educativo e os seus agentes procuraram atender − quer através da rápida montagem de um sistema de ensino a distância multimodal, quer através de um acolhimento presencial para certas crianças e jovens, e ainda através da atenção e satisfação de necessidades básicas – funções que hoje a escola desempenha e que se evidenciaram especialmente no período de confinamento.

Mas o encerramento das escolas, e o consequente recurso ao ensino a distância multimodal (digital, televisivo, impresso…), mostrou também a resiliência do sistema, acelerou a digitalização da sociedade portuguesa e, em particular, das escolas dos diferentes níveis de ensino, aproximou os parceiros educativos (quer entre os professores através de redes colaborativas rapidamente constituídas, quer entre a escola e as famílias). Contribuiu, igualmente, não só para um melhor conhecimento da escola por parte da sociedade, como mesmo para uma maior confiança dos portugueses no sistema de ensino público, como demonstram os resultados do recente inquérito internacional, levado a cabo pela Deco/Proteste, sobre o grau de (des)confiança dos cidadãos portugueses (de 18 a 74 anos, residentes em Portugal continental) num conjunto de instituições nacionais e internacionais.

Parece-nos, pois, um momento particularmente favorável à modernização do sistema e da escola, tendo em vista a sociedade do conhecimento e as novas exigências que se colocam já e que virão a colocar-se cada vez mais – como as alterações climáticas ou a globalização.

Continuando o processo já encetado com a aprovação do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e diplomas subsequentes, tais como os que estabelecem o currículo dos ensinos básico e secundário e o regime jurídico da educação inclusiva, parece-nos urgente e possível conseguir um consenso social em torno de rioridades, em linha com algumas das preocupações expressas na deliberação da Assembleia da República, como sejam:

 o combate às desigualdades de desempenho educativo, através de apoios sociais compensatórios, de medidas preventivas, como o investimento nos primeiros anos de vida (0-3, 3-6, 6-12 anos), e de medidas pedagógicas, como a intervenção ao primeiro sinal de dificuldade, ou a procura de relevância do currículo para todos os grupos sociais e para cada um poder construir o seu futuro;
 o reconhecimento da necessidade de bem-estar físico e emocional de alunos, professores e técnicos;
 a mobilização das tecnologias digitais como instrumentos hoje fundamentais, mas que requerem ser colocados também ao serviço da democratização da educação e de uma pedagogia autonomizadora;
 a valorização do aprender como um processo emancipatório ao longo de toda a vida, que requererá experiências escolares positivas, formação de adultos, reconversão profissional, atualização permanente, enriquecimento cultural;
 finalmente, o reconhecimento da dificuldade de mudar a “cultura de escola” e os seus invariantes e por isso a necessidade de promover, estudar e ensaiar diversos processos de inovação – que cheguem às aprendizagens efetivas e seus diferentes contextos – que se impõe incentivar e monitorizar na procura de uma melhoria constante.

Neste processo, o Conselho Nacional de Educação está em condições de ter um olhar simultaneamente empenhado e independente. Reconhecendo os contributos da Economia, da Tecnologia, da Sociologia ou da Psicologia, procura integrá-los na sua perspetiva pedagógica, que assenta no postulado de perfectibilidade de todo o ser humano, ao longo de toda a vida, e em todas as suas dimensões e potencialidades, tendo em vista a sua plena autonomia.

Estamos perante uma sociedade complexa que enfrenta problemas globais, muitas vezes imprevisíveis, e caracterizada pela aceleração da mudança e pela incerteza.

É urgente que a educação seja de facto para todos, proporcionando uma experiência escolar positiva que permita e suscite o desejo e a capacidade de aprender ao longo de toda a vida e assente numa experiência de colaboração que desenvolva o apreço por trabalhar para o bem comum.

São mudanças muito poderosas que requerem uma confiança reforçada. Parece ser o momento azado – como bem o terá sentido a Assembleia da República.

Maria Emília Brederode Santos
Presidente do Conselho Nacional de Educação

Consulte aqui o Estudo “Efeitos da Pandemia COVID-19 na Educação: Desigualdades e medidas de equidade | Conselho Nacional de Educação

Fonte: FNE

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